Interpretações diversas e falta de estrutura do Judiciário podem ajudar candidatos fichas-sujas a concorrer a cargos
A expectativa positiva em torno da Lei da Ficha Limpa, uma das maiores conquistas da sociedade nos últimos anos, pode virar uma frustração. Brechas na lei, interpretações diversas e a falta de estrutura do Judiciário são vistas como obstáculos para barrar os candidatos fichas-sujas nas eleições deste ano. Isso tudo serve de motivação para que políticos já condenados digam que têm direito a concorrer, como fez recentemente o deputado federal Paulo Maluf (PP-SP).
Na semana passada, em apenas dois dias o Supremo Tribunal Federal (STF) livrou dois candidatos dos efeitos da lei. Na quinta-feira, o ministro Gilmar Mendes suspendeu decisão contrária ao senador Heráclito Fortes (DEM-PI). Na sexta-feira, foi a vez de o ministro José Antonio Dias Toffoli conceder liminar favorável à deputada estadual Isaura Lemos (PDT-GO).
Na sexta, Carlos Ayres Britto negou três pedidos de suspensão de inelegibilidade. Um do deputado João Pizzolatti, de Santa Catarina, um de Athos Pereira, ex-prefeito de Montes Claros (MG), e um de Juarez Firmino de Souza Oliveira, candidato a vereador em Maringá em 2008.
Lançada em abril de 2008, a campanha Ficha Limpa reuniu cerca de 1,6 milhão de assinaturas e mobilizou diversas entidades da sociedade civil. Ela foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 4 de junho, como Lei Complementar n.º 135/2010.
Apesar de a lei ser um grande avanço, dificilmente causará grande impacto na disputa deste ano. A opinião é de Fabiano Angélico, coordenador de projetos da Transparência Brasil, ONG comprometida com o combate à corrupção. “A lei foi aprovada e parece que tudo está resolvido. Mas dificilmente ela vai funcionar bem em 2010, pois não há uma base de dados adequada, e a Justiça Eleitoral não tem estrutura suficiente para analisar tudo”, afirma.
A lista dos inelegíveis é grande e são poucos os órgãos que encaminham informações à Justiça Eleitoral sobre administradores públicos condenados. Entre eles estão o Tribunal de Contas do Paraná (TC) e o Tribunal de Contas da União (TCU), que informam quais gestores públicos tiveram contas consideradas irregulares nos últimos anos. No Paraná, há 1,2 mil pessoas nessa situação. Em todo o Brasil, quase 5 mil.
Para tentar minimizar o problema, na semana passada o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou que todos os tribunais passem a enviar informações sobre os inelegíveis à Justiça Eleitoral. “Mas são 27 tribunais estaduais, cinco tribunais regionais federais e todas as categorias profissionais. É impossível enquadrar todos os fichas-sujas neste ano”, observa Angélico.
Para fazer o registro da candidatura, o interessado precisa apresentar certidões negativas da Justiça, entre outros documentos. O coordenador da Transparência Brasil diz temer pela má-fé de parte dos candidatos. “Se determinada pessoa já foi condenada por irregularidade, qual será a confiabilidade dela em declarar algo?”
Interpretação
A tese do “eu não sabia” também pode prejudicar a aplicação da nova norma. Paulo Maluf, condenado por improbidade administrativa e procurado pela Interpol, afirma que vai concorrer à reeleição. “A minha ficha é a mais limpa do Brasil”, declarou na semana passada. A defesa dele vai se basear em um trecho polêmico da Lei n.º 135/2010. Pelo texto, estão inelegíveis os condenados por “ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito”. Os advogados de Maluf vão dizer que ele não tinha intenção de causar prejuízo ao erário, e que tampouco enriqueceu com isso.
Segundo Angélico, se a tese for apresentada a um juiz com uma linha “garantista”, Maluf poderá obter o registro. Ele cita como exemplo o julgamento do STF a respeito do “mensalão mineiro”. Por 5 a 3, os ministros do STF aceitaram a denúncia contra o senador e ex-governador de Minas Gerais Eduardo Azeredo (PSDB). Os três votos contrários afirmaram que não havia provas concretas de que o tucano sabia do esquema. “É muito difícil provar o envolvimento de um governante, pois ele não vai querer guardar nada que indique envolvimento com irregularidades. As evidências estão com os operadores. Mas nem todos os juízes pensam assim.”
Cassação
Outro trecho da Ficha Limpa que pode gerar polêmica é referente ao dos políticos cassados. A lei diz que são inelegíveis os condenados “por conduta vedada aos agentes públicos em campanhas eleitorais que impliquem cassação do registro ou do diploma, pelo prazo de oito anos a contar da eleição”. Por isso os ex-governadores Jackson Lago (PDT-MA), Marcelo Miranda (PMDB-TO) e Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), por exemplo, não poderiam concorrer nas eleições de outubro, pois todos foram cassados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no ano passado.
Entretanto, há uma linha de interpretação que indica que eles podem conseguir o registro eleitoral. Quando eles foram cassados, foram penalizados com a suspensão dos direitos políticos por três anos, contados a partir da data do fato, ou seja, da eleição que ocorreu em 2006. O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Mozart Valadares, afirmou que os três já foram condenados, cumpriram a pena e não podem ser responsabilizados mais uma vez. “Na minha leitura, esses três serão candidatos sem nenhum problema”, declarou em entrevista a Alexandre Garcia, na Globo News.
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Zé Renato